domingo, 28 de outubro de 2007

O Segredo da Casa do Bairro do Chinelo

Quando comprei aquela casa, há uns anos, estava longe de suspeitar que ela escondia tal segredo...
Sempre gostei de casas antigas. Acho que guardam em si um pouco de todos quantos a habitaram. Têm em si milhares de histórias para contar se as soubermos ouvir. Aquela tinha em si uma alma enorme, do tamanho do segredo que ansiava por contar, que não se perdeu com o tempo.
As fundações da casa de que lhes falo remontam à última metade do século XVIII, tendo pertencido à mesma família desde a sua construção. Após a morte do último proprietário, que não tinha herdeiros directos, a sua posse passou para um parente distante que não a querendo a colocou à venda. Estando situada no Bairro Conde Almeida Araújo ou, como é conhecido entre os populares, Bairro do Chinelo, foi construída por um dos homens envolvidos na construção do Palácio Real de Queluz, tendo a sua família servido no Palácio durante mais de um século, geração após geração.
Após o acerto da sua compra decidi mudar-me imediatamente não esperando pelo fim das restaurações a que a submeti, apesar de estas não serem muitas. O estado da casa era de fazer inveja a outras bastante mais recentes, denotando por parte do ancião que a habitava um extremo cuidado com o seu estado, como que receando que cada ano que nela pesasse pudesse obrigar a mais profundas restaurações que poderiam levar à descoberta de um segredo que era só seu. Mas o segredo não era só seu. Era também da casa que ansiava por o revelar. E assim numa tarde em que me permiti uma olhada aos objectos que compunham o recheio da casa e que comprei juntamente com o imóvel, ela começou a contar-mos e encontrei no escritório uma estante repleta de livros bastante antigos. Fui abrindo as vidraças que os protegiam e sentindo-os com um passar da mão ao de leve, enquanto observava os seus títulos. Havia grandiosas obras dos mais variados autores mas foi um simples livro de capa preta que, por não ter um título impresso, me reteve o olhar e despertou a curiosidade. Era um livro velho de folhas soltas e quando o abri caíram várias que pareciam no entanto não pertencerem ao livro, sendo sim manuscritos que ali tinham sido colocados para assim melhor se preservarem do passar dos anos. Apanhei-as do chão e reparei que eram cartas remetidas por um mesmo autor e que iam desde as mais elaboradas promessas de amor a simples notas como "Espero-vos daqui a três dias ao pôr-do-sol na passagem", mas aquela que mais me despertou o interesse foi uma que ditava o seguinte:
«Amada Ana,
Confesso-me feliz pela boa nova que me fez chegar acerca do fruto que esperais nesse belo ventre, e ainda que pese por não poder dar o amor e atenção devido à criança que aí vem, bem sabeis minha amada que infelizmente a minha posição não o permite e todo este assunto tem de permanecer secreto. Não fosse eu filho de quem sou... Não fosse eu casado com quem sou, apenas para satisfazer o meu prezado irmão e o seu "amigo" que de certo vos mataria se do nosso caso desconfiasse, e decerto fugiria para bem longe convosco para que longe de todos pudéssemos ser felizes. Ainda assim vos garanto que não o podendo criar como filho, não deixarei nunca que ele sinta qualquer necessidade, pois pretendo fornecer-vos uma parte da minha fortuna que chegará para vós, para ele e para as gerações futuras. Apenas vos pedindo que sejais discreta na forma como a utilizais para não recolheres para vós as atenções de quem sabemos.
Ansiando por vos encontrar brevemente, este humilde servo P.
29 de Novembro de 1759, Queluz»
Fiquei a cismar durante várias horas em quem seria aquele misterioso P. e quem seria a Ana a quem se dirigia com tão respeitosa paixão. Voltei a guardar o livro como estava, fui jantar qualquer coisa simples, e ainda com a cabeça ocupada acendi a lareira e assim me recostei numa poltrona onde certamente o antigo dono da casa se recostou inúmeras noites também.
Na noite seguinte, ao limpar a lareira das cinzas que nela repousavam, reparei numa pedra que aparentava estar solta, e pensando em dizê-lo ao homem com quem combinara arranjar a casa mexo-lhe para saber se estava completamente solta. Qual não é o meu espanto quando a pedra, ao meu toque, desliza para dentro da parede e com um ruído se abre uma passagem no fundo da lareira. De boca entreaberta acabo por ir buscar uma lanterna e entrar na abertura, sem acreditar no que estava a acontecer.
Para lá daquela entrada, encontrava-se umas escadas que desciam uns bons metros. À direita encontrava-se uma antiga tocha e pendurado também no seu suporte encontrava-se um foco que parecia recente. Experimentei-o e vendo que funcionava decidi prender a lanterna ao cinto e utilizá-lo. Desci as escadas e quando terminei vi um túnel que se perlongava a perder de vista. Segui-o ao longo de intermináveis metros até que vejo aparecer diante de mim uma enorme câmara quadrada com cerca de vinte metros de aresta e talvez seis metros de altura sendo o tecto uma abóbada digna de uma qualquer catedral. Na parede à minha frente encontrava-se uma abertura que parecia dar para um túnel semelhante aquele do qual desemboquei, enquanto na parede da esquerda estava uma porta à qual me dirigi. A porta estava aberta e dava para uma divisão que se assemelhava a um quarto. Tinha uma cama de dossél, que apesar de se notar o requinte da sua madeira e do trabalho nela realizado, estava em muito mau estado de conservação. As paredes tinham vários suportes para tochas que acesas certamente dariam à divisão uma boa iluminação. Perguntei-me se esta seria a passagem de que as cartas de P. falariam e se aqui seria o ponto de encontro dos dois amantes.
Decidido a descobrir onde a outra parte do túnel iria dar saí do quarto e segui o túnel durante vários metros até me encontrar de novo perante umas escadas que subi de seguida. As escadas no entanto terminavam num tecto de pedra parecendo que tinha sido ali colocado para interromper as escadas. Tentei procurar uma passagem escondida entre as pedras ou uma qualquer pedra que pudesse servir de alavanca para abrir uma qualquer passagem secreta, mas parecia não haver nenhuma. Pensei então que onde quer que esta saída estivesse estado ligada, a sua passagem tinha sido bloqueada. Sentei-me então nos degraus desalentado e encostei o cabeça ao degrau bloqueado pelo tecto. Nisto sinto o degrau a mexer-se e uma abertura a surgir do tecto. Receoso de que alguém pudesse estar do outro lado subi pela abertura e foi olhando para ver se alguém tinha dado conta da passagem ter aberto, mas não vi ninguém. O que vi foi no entanto espantoso. A divisão a que fui dar era nada mais nada menos que uma capela que reconheci por tê-la visitado uns anos antes. Era a capela existente no Palácio Real de Queluz.
Então tudo ficou claro na minha cabeça. O P. que escrevera as cartas devia ser alguém da corte, e que por isso e por ser casado não podia assumir o seu amor com Ana que seria talvez filha do simples homem que trabalhava na construção que estava a ser realizada na antiga Quinta do Infantado e da qual surgiu o Palácio Real e que com a conivência do nobre, deveria ter construído em segredo o túnel e a câmara, embora me escapasse como é que o homem poderia dispor dos recursos necessários a tal obra sem que isso fosse notado.
De repente senti os passos de alguém. Certamente o guarda nocturno que estaria de vigia aproximava-se e eu teria de sair dali antes que ele me visse. Desci então pela abertura e pressionei o degrau sentindo a porta da capela a abrir ao mesmo tempo que a passagem se fechava.
Voltava para trás incrédulo com tudo o que me acontecera e longe de imaginar que as surpresas ainda não tinham acabado. Quando saí para a câmara pela qual passara anteriormente reparei numa inscrição na parede oposta ao quarto e que não tinha reparado antes: «Aqui Jazem Descendentes de Reis», inscrição esta que se encontrava por cima de uma brasão que reconheci como o brasão da casa de Bragança. Olhando para o chão reparei que lá se encontravam inúmeras lajes que continham nomes e datas. Datas estas que pareciam ser datas de nascimento e morte das pessoas que sob as lajes deveriam estar sepultadas. Algumas delas continham algo mais para além dos nomes e datas. Algumas tinham descrições que pretendiam mostrar quem eram e aquilo que tinham feito. Uma coisa era certa, parecia que todos eles pertenciam à mesma família, à família que tinha sido proprietária da casa que eu havia comprado. Apenas um nome parecia faltar nesta verdadeira árvore genealógica, e esse nome era a do ancião que a havia habitado por último e que por falta de quem o enterrasse neste jazigo familiar tinha sido sepultado longe dos seus antepassados.
No meio daquele monte de nomes um saltou-me à vista. O primeiro do lado esquerdo, junto à parede. O nome era Ana e tinha as datas de 1742-1774. Não tinha mais nenhuma inscrição mas ao seu lado estava outra que tinha o nome de Pedro, 10/04/1760 a 05/12/1808, e que continha a inscrição:
«Valoroso Homem, filho de Ana e do Rei regente D.Pedro III, fruto de um amor impossível.»

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Dos castelos em altos montes colocados
Às barbacãs que os seus sopés protegem.
Dos cais pela foz de largos rios abraçados
Às nascentes que de longínquas terras descem,
Corro o Passado esquecido num único momento
Procurando o Futuro que me encontra onde me sento!
Entre batalhões de exércitos exaustos e perdidos,
Deixo-me estar caído entre mortos e feridos...
Acomodando-a no meu colo, afio a espada já gasta.
De sentidos sempre alerta, mantenho a armadura posta,
Agindo mecanicamente, num mundo que não me sente...
Sigo com coragem para onde me leva o Presente
Mantendo a honra que toda a vida me guiou.
Mantenho-me atento ao solo sangrento onde hoje estou!

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Hoje Fico Assim

Hoje fico assim sentado.
É isso! Hoje fico aqui sentado...
Estendo-me no meu cadeirão
E estico as pernas.
Ontem vagueei pela noite,
Passeei pelas ruas
De uma cidade adormecida.
Mas hoje não me apetece...
Hoje deixo-me estar.
Puxo um cálice e encho-o.
Tenho Porto!
Hoje apetece-me um Porto.
Gosto de um bom Porto,
Cai-me bem em noites como esta.
É isso! Hoje deixo-me estar sentado,
Fecho os olhos e bebo um Porto...
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